D e acordo com um press release publicado num jornal local, Israel Hayom, tal procedimento foi realizado pela equipe do Rabin Medical Center em um paciente de 78 anos, após dez anos de cegueira, logrando obter uma boa visão no pós operatório imediato.
Este paciente faz parte de um grupo investigacional da CorNeat Vision que desenvolveu uma córnea sintética capaz de se integrar à esclera e não é a primeira vez que se tenta substituir a córnea doente de um receptor por uma prótese biosintética. Mais nove pacientes estão agendados para se prosseguir nestes estudos clínicos e, certamente, vai demandar um certo tempo para se observarem os resultados e eventuais complicações a médio e longo prazos.
O filme abaixo demonstra a tecnologia recém empregada em Israel e sendo testada num primeiro paciente no inicio deste ano. Se os resultados deste e outros casos se mostrarem promissores, entraremos numa nova era no terreno dos transplantes
Desde que o primeiro transplante corneano no mundo foi realizado em 1905 pelo cirurgião Eduard Zirm, na República Checa, seguiram-se outros cirurgiões como Vladimir Filatov, em 1912 na Rússia mas só logrando bons resultados em um transplante total em 1931, e nas décadas de 1930 e 1940 o oftalmologista espanhol radicado nos Estados Unidos, Ramón Castroviejo, granjeou renome internacional ao se dedicar incansavelmente ao pleno desenvolvimento das técnicas então empregadas, e desde então o procedimento vem sendo indicado e executado cada vez com melhores perspectivas de devolver a visão aos pacientes com lesões corneanas.
No Brasil o primeiro transplante foi realizado em Belo Horizonte em 1954 pelo Professor Hilton Rocha, no Hospital São Geraldo (UFMG). Logo depois o Hospital de Clinicas desta mesma universidade iniciou transplantes de fígado, rim, medula e, posteriormente, de pulmão.
Em muitos países, bancos de olhos foram criados, a maioria deles apoiado pelo clube de serviços Lions Club. Esta entidade se tornou fundamental para tornar possível a oferta destas córneas e escleras a milhares de pessoas em várias partes do mundo, cabendo destacar nos Estados Unidos.
Outro país que conseguiu se notabilizar neste contexto foi a Espanha, zerando a fila de espera por um tecido doador, enquanto em outros persiste o problema da falta de córneas e, consequentemente, filas de espera.
No Brasil, neste momento de pandemia, a questão de doadores caiu bastante mas espera-se que este problema seja superado quando voltarmos a um patamar do “novo normal”.
A busca por uma córnea artificial não surgiu agora. Na década de 1990 alguns centros de pesquisas já vinham investindo em materiais biosimilares ao tecido humano, sendo que o mais difícil era como fazer a conexão da prótese ao tecido escleral, que circunda a córnea, e com vasos prontos para reagir a presença de estruturas estranhas.
Muitas tentativas foram feitas se destacando na Austrália em fins da década de 1990, com 38 pacientes recebendo uma prótese AlphaCor® (Corneal replacement using a synthetic hydrogel córnea AlphaCor®: device, preliminar results and complications. Hicks CR, Crawford GJ, Lou X, Tan DT, Snibson GR, Sutton G, Downie N, Werner L, Chirila TV, Constable IJ. Eye 17: 385-392 (2003) e investigadores canadenses e suecos em final de 2010 apresentando resultados de córneas biosintéticas implantadas em 10 pacientes com resultados a curto prazo bastante promissores, mas que ao longo do tempo foram levando ao desapontamento dos pesquisadores (Science Translational Medicine).
Mas todas estas pesquisas, passo a passo, vão progredindo e trazendo novas perspectivas como a redução no tempo de espera para um candidato ao transplante tradicional.
O transplante penetrante ou total de córnea segue sendo o procedimento padrão em todo o mundo. Mas uma infinidade de alternativas a esta técnica surgiram, reduzindo-se de pronto o aspecto de rejeição da mesma e, de certo modo, reabilitando o paciente para voltar às suas atividades físicas em prazo relativamente mais curto!
Neste post seria maçante descrever tais possibilidades, mas de forma resumida podemos descrever que em todas elas não se necessita remover a córnea doente de forma integral, mas apenas as camadas que estão lesadas.
Os nomes das técnicas são reconhecidas a partir da EK (Endotelial Keratoplasty) desenvolvida pelo médico americano Melles em 1998:Cada uma destas alternativas tem que ser cuidadosamente avaliada pelo oftalmologista e não corrigem determinados problemas corneanos. Mas bem indicadas representam um “plus” quando seus resultados são comparados com o transplante penetrante. Outro dado importante é que exigem instrumental adequado, podendo incluir até o uso de um laser especial, de femtosegundo para se tratar adequadamente a estrutura que vai ser trocada. Infelizmente, no Brasil, isto representa uma dificuldade a mais quando recursos econômicos não existem para auxiliar nas pesquisas e investimentos em ciência.
E num passo gigantesco, para determinadas doenças do endotélio, película que reveste a córnea internamente, como distrofia de Fuchs, uma das mais comuns doenças degenerativas da córnea, um pesquisador japonês, Prof. Kinushita, de Toquio, vem trabalhando em cima de um projeto pioneiro que consiste tomar células endoteliais de tecido sadio e cultivá-las in vitro. Para o tratamento, esta solução com tais células é injetada na câmara anterior e elas se aderem diretamente no endotélio doente, restaurando suas condições de funcionar a contento.
A resposta corresponde a quase um quarto de um livro sobre patologias corneanas. Mas, de novo, sumarizando, em quaisquer condições que a córnea apresenta lesões ou doenças comprometendo a sua total transparência: cicatrizes traumáticas, queimaduras, lesões pós inflamações graves, defeitos de esfericidade, das quais a mais importante é o ceratocone, doenças do epitélio, do estroma, das camadas tanto de Bowman quanto de Descemet, do endotélio. Isto para citar algumas poucas situações.
Na Figura 1: vemos do lado esquerdo o endotélio de um jovem. Normalmente nascemos com cerca de 4.500 células/mm2 hexagonais e, ao longo da vida, vamos perdendo tais células, chegando aos 90 anos contando com algo em torno de 1.500 células/mm2. Com potentes aparelhos (microscopia especular – vide TECNOLOGIAS neste site) podemos visualizar tais células e saber quanto sadias elas se encontram.
Na Figura 2: o exame de lâmpada de fenda mostra alterações do endotélio (camada que reveste internamente a córnea A ). Na figura à esquerda se vê com nitidez todo este endotélio doente. Com o microscópio especular se consegue contar o número de células. Dependendo deste número pode estar indicado um transplante endotelial. Na figura da direita, B mostra o cristalino.
Na Figura 3: vemos à esquerda uma córnea severamente comprometida após uma doença que afetou inteiramente sua transparência. Existem muitas causas para explicar uma córnea opaca.
À direita se vê o mesmo olho depois de ter sido submetido ao transplante de córnea. Ainda se identifica a presença de minúsculas suturas de mononylon 10.0.
Na Figura 4: muitas lesões corneanas só são visualizadas em consultório após pingarmos um corante e iluminarmos com a luz de cobalto, que faz a fluoresceína ser identificada com brilho esverdeado. Quando há uma lesão, como na foto ela aparece inteiramente corada.
Com os avanços cirúrgicos registrados nestes últimos 50 anos com a utilização de potentes microscópios cirúrgicos (algo inexistente até meados da década de 1960), instrumental cirúrgico de excelência, drogas imunomoduladoras para enfrentar eventuais fenômenos de rejeição, melhores regras de seleção do tecido doador buscando maior compatibilidade com o paciente receptor destes tecidos oculares, melhores meios de conservação dos mesmos, o estado de arte alcançado hoje em transplantes de córnea nos revela algo impensável para os Drs. Eduard Zirm, Vladimir Filatov, Ramón Castroviejo.