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Glaucoma: novos conceitos para enfrentá-lo

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Cirurgia de catarata reduz riscos de quadros demenciais
16/12/2021
Dr Luca Gualdi
Entrevista: Dr. Luca Gualdi, Considerações Sobre Olho Seco
27/02/2023
 

O glaucoma é a segunda causa de cegueira em todo o mundo, afetando cerca de 4% da população acima dos 40 anos.


E ntretanto, pode ocorrer em qualquer faixa etária e, infelizmente, até crianças podem nascer com esta grave doença. Na forma congênita, que pode ocorrer uni ou bilateralmente, alguns dos sinais característicos são a presença de epífora (lacrimejamento contínuo), intensa fotofobia, diminuição da visão, aumento do globo ocular, lembrando o olho de um sapo (buftalmia).

Além do “teste do olhinho”, mandatório em todos os recém natos para detecção de alguma mancha branca na área pupilar (figura 1), tanto pais quanto pediatras devem atentar para estes sinais presentes nos olhos de um bebê.

 
Catarata Monocular

Figura 1 – A esquerda, pupila negra. A direita, pupila branca. Esta leucocoria pode significar catarata, mas também um retinoblastoma. Eventualmente a ausência da leucocoria (a esquerda) não descarta totalmente ser portador de um retinoblastoma. Vários exames são necessários para uma avaliação criteriosa.

 


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Diferentemente da catarata, que produz uma cegueira passível de reversão completa se removida através de uma cirurgia, o glaucoma pode levar a uma situação irreversível, e cujo tratamento exige permanente controle desde o momento de seu diagnóstico. Alguns fatores podem contribuir para estabelecer suspeitas da existência da doença em determinados grupos de risco:


  • presença da doença em vários membros de uma mesma família;
  • em afrodescendentes;
  • em uso tópico ou sistêmico de corticóide;
  • pacientes diabéticos e
  • portadores de miopia.

Ao iniciar qualquer tratamento com corticoterapia de médio ou longo prazo, se faz necessária uma avaliação da pressão intraocular deste paciente.

 

Figura 2 – tonômetro de Aplanação de Goldmann

 

Até muito recentemente os especialistas tratavam o glaucoma preocupados em evitar que a pressão intraocular ultrapassasse 20 mmHg, limite tensional estabelecido durante muitos anos como sendo o máximo que o nervo óptico poderia suportar sem ser danificado. Tais danos se caracterizam por mudanças na coloração do nervo e pela disposição mais a nasal dos vasos sangüíneos aí localizados (figura 3).

 
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Figura 3 – em azul : cabeça do nervo óptico. Exige uma atenta observação de sua coloração e extensão de uma possível atrofia do mesmo (escavação) Em verde – vasos retinianos Em vermelho – área mais nobre da retina, identificada como mácula

 
Mas por quê muitos olhos, com a pressão bastante inferior àquele limite, podem caminhar irreversivelmente para a perda de campo visual e atrofia do nervo óptico, e outros podem ultrapassar 20 mmHg e ainda se manterem íntegros?

Vários pesquisadores formularam uma possível resposta: o problema não deve se limitar apenas em reduzir a pressão, mas muito mais importante, em se aumentar o fluxo de perfusão sangüínea do nervo óptico. Provavelmente a neuropatia óptica glaucomatosa é uma doença onde um forte componente de irrigação insuficiente do nervo óptico está presente.

Baseado neste raciocínio, modernos métodos de diagnóstico possibilitam avaliar mais precocemente a presença da doença, enquanto novos medicamentos baseados no que se chama de co-regulação, permitem atuar nos dois extremos do problema: produção de humor aquoso e sua drenagem para fora do olho. O objetivo hoje não é apenas manter a pressão intra-ocular abaixo de 20 mmHg, reduzindo-a o máximo possível, mas impedir a destruição das fibras nervosas retinianas.


Neste sentido novas drogas estão disponíveis no mercado e compete ao oftalmologista selecionar a mais adequada para cada caso.

Outro fator que se tornou bastante conhecido nestes útimos 20 anos, se relaciona com a espessura da córnea, estrutura transparente que reveste a parte anterior do globo ocular. A exemplo do vidro de um relógio, este seria a córnea, enquanto o mostrador deste mesmo relógio seria a íris, que dá cor aos olhos.

 
 

Quando Goldmann desenvolveu o tonômetro de aplanação que leva seu nome e até hoje considerado o padrão ouro para se avaliar corretamente a pressão dos olhos, ele estabeleceu seus dados para construir o aparelho com a córnea medindo 520 micra. A sonda que toca na córnea executa uma ação que gera, contrariamente, uma reação que resulta na leitura da pressão. Se a córnea tem a espessura imaginada de 520 micra, então esta leitura está correta e válida.

 
MEL80+VisuMax13

Modernos equipamentos de Excimer Laser permitem um procedimento mais seguro e rápido para o tratamento da miopia, hipermetropia, astigmatismo e também da vista cansada (presbiopia)

 

Mas com o advento das cirurgias refrativas com Excimer Laser (cirurgias para correção das ametropias: miopia - hipermetropia – astigmatismo – presbiopia ou vista cansada), quando se faz um verdadeiro desbaste da superfície corneana, é obrigatório se fazer a medida da espessura da córnea pré-operatória com um equipamento chamado Paquimetro. E aí se observou que muitas córneas ou são muito finas ou muito mais espessas que aquilo que Goldmann imaginava. Portanto, estas córneas falseiam a leitura do tonômetro, o que acarreta em pressões inadvertidamente incorretas e facilitando casos de glaucoma não detectados.

 
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O Paquímetro mede a espessura da córnea e correlaciona com a verdadeira pressão intraocular.

 
Exames com modernos equipamentos computadorizados de campo visual, HRT (confocal scanning laser ophthalmoscopy), OCT (optical coherence tomography), fotografias estereoscópicas da cabeça do nervo óptico, testes de provocação de sobrecarga hídrica, o olhar clínico do oftalmologista acompanhando de perto eventuais mudanças no fundo de olho, possibilitam novas e formidáveis oportunidades de se rastrear e controlar esta terrível doença, cuja evolução pode passar totalmente desapercebida aos seus portadores (figuras 4, A, B, C, constatados em simulação).
 
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Figura 4 (A) um exame de campo visual mostrando tanto campo central quanto periférico normais, abrangendo 180º. de visão

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Figura 4 (B) uma significativa perda de campo visual, o que redunda em tratamento mais agressivo para impedir esta degradação

cv-reducao20%

Figura 4 (C) grave perda de campo visual

Por muitos anos a droga de excelência recomendada era a pilocarpina, uma droga extraída de uma erva nativa no norte e centro do Brasil, pilocapus pennatifolius. Gradativamente outras drogas foram surgindo para o controle da pressão intraocular, como betabloqueadores tipo maleato de timolol, os simpaticomiméticos/alfa agonistas como brimonidina, inibidores de anidrase carbônica (dorzolamida, brinzolamida, acetazolamida), ou análogos de prostaglandinas.

Cada caso exigindo uma droga ou associação de diferentes drogas, sempre buscando manter a produção de humor aquoso dentro de um equilíbrio perfeito.


Infelizmente o glaucoma não tem cura. A necessidade da fidelização ao esquema terapêutico é por toda a vida.

Quando a terapia clinica não surte o efeito desejado, se impõe a adoção de um procedimento a laser (iridotomia a laser, com laser de YAG) ou a trabeculoplastia a laser (com o SLT – seletive laser trabeculoplasty) Figura 5. Estas abordagens exigem diversos cuidados, pois em várias situações de nada servirão estes caminhos.

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Figura 5 – Este é um moderno equipamento associando os dois tipos de laser YAG e LST. Em vários tipos de glaucoma quando mesmo com dois colírios a pressão se mostra renitente no patamar máximo, é possível com este equipamento se fazer uma trabecuplastia em consultório e com isso regurlar a pressão.

No campo da cirurgia antiglaucomatosa, novos avanços estão sendo incorporados no dia-a-dia ao armamentarium oftalmológico. Modernas técnicas conhecidas como não perfurantes estão sendo avaliadas, com a finalidade de se reduzir algumas possíveis complicações inerentes aos procedimentos utilizados atualmente.

Também o advento da implantação de stents - colocação de um micro by-pass metálico, comunicando a malha trabecular ao sistema vascular, pode e deve ser analisado como uma boa indicação para casos muito específicos.



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Em casos mais severos, a clássica trabeculectomia se torna a melhor opção, podendo ser executada concomitantemente com uma cirurgia de extração de catarata por facoemulsificação através de um só sítio (a de preferência dos Autores), ou por distintos sítios.

Nestes casos também se pode indicar os implantes de drenagem (valvulados ou não) de silicone ou polipropileno, que facilitam o escoamento do excesso de humor aquoso. Dentre as mais conhecidas se encontram os implantes de Susanna UF, de Ahmed FP-7, de Baerveldt.

Nas formas mais graves e refratárias a qualquer tipo de procedimento antes assinalados, e como recurso final, será necessário se fazer um procedimento de ciclofotocoagulação de efeito destrutivo parcial da região (corpo ciliar) responsável pela produção de humor aquoso.

Conclusão

O glaucoma consiste em um acúmulo anormal do humor aquoso na câmara anterior, líquido que se forma no interior do globo ocular e responsável pela nutrição de diversas estruturas intraoculares. Por diversas circunstâncias, quando ele não é eliminado na mesma velocidade com que é secretado, acaba por aumentar a pressão dentro do olho, e com isto, leva gradualmente a uma lesão grave do nervo óptico (escavação glaucomatosa). Toda esta descrição qualifica a forma crônica do glaucoma de ângulo aberto.

A outra forma, glaucoma de ângulo estreito ou fechado, impõe uma conduta própria para ser tratado e impedir uma grave crise, que pode levar a cegueira em até 48 horas, se não revertido. Pacientes com esta alteração anatômica, é mandatória a identificação do tipo de ângulo antes da administração de medicamentos a base de beladona ou atropina, sistêmico ou tópico, para não desencadear uma crise hipertensiva, que pode ter efeitos deletérios visuais graves para seus portadores.

Com o aumento da pressão intraocular, vai ocorrendo perda gradativa de fibras nervosas retinianas e, finalmente, uma neuropatia óptica acaba por se instalar, com consequente atrofia do nervo óptico. Neste estágio final, nada mais a oftalmologia poderá fazer em benefício dos pacientes afetados.


Apesar de muitos leigos conhecerem a palavra, ainda falta uma maior conscientização da própria população no sentido de compreender melhor o significado da doença, e do que ela mesma pode fazer para se acautelar das suas consequências.
 


Dr. Miguel Padilha
Dr. Miguel Padilha
Membro Titular do Conselho Brasileiro de Oftalmologia