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Em tempos de pandemia … aumentam os casos de olho seco

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P or conta do distanciamento social, especificamente o estado de confinamento imposto pelas autoridades sanitárias em todo o mundo, um quadro ocular emerge como mais um vilão acarretando perturbações visuais nos indivíduos que se ajustam a esta realidade utilizando mais tempo os olhos para leitura constante. Com certeza o home office trará alguns problemas extras no futuro. No momento estamos falando do olho seco, tema recorrente na prática oftalmológica e que afeta milhões de pessoas em todos os continentes.



Leitura recomendada: Olho Seco: caso de saúde pública
 

Olho seco já é uma patologia nossa conhecida faz tempo, provocada pela menor produção da película lacrimal que protege o segmento anterior dos olhos, nomeadamente córnea e conjuntiva (Figura 1). Esta película é composta de três camadas importantes: mucina, lágrima, lipídeos (gordura). Cada uma destas é produzida em glândulas especiais localizadas na parte interna das pálpebras e no fundo de saco conjuntival.

 

Figura 1

 

Estas pequenas glândulas são bastante diferentes da glândula lacrimal, situada na região temporal por baixo da pálpebra superior (Figura 2 – Aparelho Lacrimal). Por mecanismos neuroespecíficos esta glândula sempre é acionada diante de emoções, agressões físicas, cortar uma cebola próxima dos olhos, o que redunda no ato de chorar pouco ou copiosamente.

 

Figura 2

 

O lacrimejamento faz com que a lágrima seja coletada em dois pontos lacrimais (um na pálpebra inferior e outro na pálpebra superior) e levado por um tubo para o saco lacrimal, situado dentro do nariz e daí para a garganta. Por esta razão, quando se pinga um colírio, imediatamente sente-se o gosto do mesmo descendo pela garganta. A obstrução deste canal pode produzir uma série de afecções nasolacrimais, das quais a mais grave é uma infecção do saco lacrimal (dacriocistite).

A mucina tem propriedades especiais que funciona como um adesivo ao segmento anterior do olho. Sobreposta a esta camada vem a lágrima e, como uma capa externa, vem a terceira camada formada por gordura. Esta última evita a rápida evaporação da lágrima (Figura 3).

 

Figura 3

 

Por uma série de razões, uma das três, ou as três podem sofrer um processo de redução na sua composição e isto leva a um desconforto ocular e até comprometimento severo da visão.

Em média, pisca-se 12 vezes por minuto. Há pessoas que por problemas neurológicos (Parkinson, Alzheimer, paralisia facial, etc) piscam muito menos, levando a uma evaporação mais rápida de toda esta película. Isto exige uma conduta eficaz para não se produzir danos à córnea.

Na vigência de olho seco as queixas mais comuns são:


  • prurido ocular;
  • sensação de areia nos olhos (que pode variar de discreto até muito desconfortável);
  • vermelhidão;
  • fisgadas;
  • embaçamento visual.

Na maioria dos casos os portadores de olho seco procuram o oftalmologista buscando atualizar os graus de seus óculos. Em situações extremas, não apenas os olhos ficam afetados, mas também pode diminuir a produção de saliva e suor, como na Síndrome de Sjöegren.

Neste período de pandemia o número de portadores de “dry eye” aumentou consideravelmente, por conta de longa exposição aos computadores, telas de celulares e tablets, longos períodos de leitura de jornais e revistas.

 

Normalmente o olho seco pode estar relacionado ao período de menopausa, gravidez, uso de uma série de medicações (ansiolíticos, principalmente benzodiazepínicos, antialérgicos, anti-hipertensivos, antinflamatórios), doenças autoimunes, colagenoses, etc etc.

Também em situações especiais como grande exposição do globo ocular, notadamente na presença de hipertireoidismo onde o olhos “saltam das órbitas” em situações extremas [Doença de Graves] (Figura 4).

 

Figura 4 - A Doença de Graves é um distúrbio autoimune da tireóide, quando ela produz o hormônio em excesso, podendo produzir diversas alterações, entre elas o deslocamento do globo ocular para a frente (exoftalmia), sensação de areia nos olhos, olhos vermelhos, fotofobia, visão dupla, baixa de acuidade visual. Exige tratamento por endocrinologista, imunologista, oftalmologista.

 

Ou ao contrário, pelo excesso de dobras das pálpebras que levam a obstrução do ponto lacrimal, dificultando a drenagem da lágrima para o saco lacrimal (Figura 5) ou por atrofia destas glândulas.

 

Figura 5 - Alterações palpebrais podem produzir severos distúrbios, não apenas visuais mas de grande desconforto pela dificuldade de piscar e eliminar secreções que se acumulam na conjuntiva, tanto sob a pálpebra superior quanto inferior

 

Num exame detalhado é possível detectar qual o grau de gravidade de uma situação de olho seco, através de exame de medição da produção de lágrima (teste de Schirmer) ou de tempo de ruptura da película lacrimal (BUT – break-up time). No primeiro, usando-se uma fita de papel de filtro especial, consegue-se medir a produção de lágrima por 5 minutos (Figura 6).

 

Figura 6 - Este teste pode ser feito com anestésico local ou não. Esta fita de papel filtro especial consegue, em questão de poucos minutos, dar uma idéia da produção de lágrima. Ela pode variar de zero (onde a síndrome do olho seco é bastante severo) até mais de 30 mm, significando excelente produção de lágrima.

 

No segundo, mede-se por quanto tempo a película consegue ficar aderida à córnea, antes de se romper e deixar a córnea exposta ao meio exterior. Com o uso de corantes especiais também se pode visualizar no microscópio clínico (microscópio de lâmpada de fenda) , se a córnea está com sinais de lesão (ceratites) ou presença de alterações epiteliais junto ao limbo (região entre a conjuntiva e a córnea).

 

Com esta avaliação bem conduzida, caberá ao oftalmologista decidir usar apenas colírios lubrificantes, com conservantes ou sem a presença deles. Isto deve ser muito bem considerado pois tais substâncias (preservativos) podem agravar eventuais lesões já presentes nos olhos. Hoje existem muitos colírios, cabendo destacar aqueles que usam em sua composição uma substância ideal para proteção da córnea chamada hialuronato de sódio.

Também neste exame oftalmológico, será decidido se deve ou não ser suspenso eventuais medicações que podem estar contribuindo para a manifestação do “dry eye”. E aqui é bom lembrar que existem medicamentos que podem se valer dos vasos perilimbicos (vasos que entram em contato com a córnea, estrutura avascular e transparente) e migrar para o interior da mesma.

Desta maneira determinados sais presentes nestes remédios podem se depositar dentro desta estrutura e produzir comprometimento da visão. Felizmente, cessando o uso de tais medicamentos, na maioria dos casos a córnea volta à sua transparência normal.

Feitas estas considerações, em alguns casos de olho seco não somente será necessário a administração de lubrificantes oculares, mas também poderá, a depender da gravidade do quadro, serem prescritos colírios à base de ciclosporina, medicações ricas em Omega 3 e, eventualmente, prescrição de antibióticos principalmente à base de tetraciclinas.

Apenas em casos críticos, onde a produção de lágrima é zero e a córnea mostra presença de sérias lesões, poderá estar indicada oclusão dos pontos lacrimais com “plugs”, dispositivos sintéticos semelhantes a “rolhas” (Figura 7).

 

Figura 7

 

Atualmente o Laboratório Bausch & Lomb acaba de anunciar (janeiro de 2021) ter completado a Fase 3 de estudos investigacionais com um novo produto NOV03 (perfluorohexyloctane), livre de água e preservativos, para tratamento dos sinais e sintomas da doença associada com disfunção das glândulas de meibômio. Na Fase 2 já foram observados segurança, eficácia e tolerabilidade do novo produto com melhora significativa quanto ao aspecto de ausência de coloração por fluoresceína quando comparado com grupo controle de olho seco bastante severo. É mais uma arma que poderemos lançar mão em breve.

Em outra linha de pesquisa o laboratório Oyster Point Pharma recebeu autorização do FDA (Food and Drug Administration / agência norteamericana de controle de alimentos e medicamentos) para prosseguir com a pesquisa de um spray nasal OC 01 (varenicline). O objetivo desta medicação seria promover um aumento da produção das três camadas que formam a película lacrimal.

Até a presente data, de acordo com o CEO da farmacêutica, Jeffrey Nau, PhD, MMS, se mostra otimista com a eficácia e segurança deste novo recurso após acompanhar 1000 indivíduos já tratados com esta terapêutica e espera, até o final do ano, estar lançando no mercado este novo produto.

Outra consideração importante é uma boa avaliação das glândulas de Meibomius (Figura 8), localizadas nas bordas internas das pálpebras e indicar uma boa higiene palpebral ou uma espécie de “ordenhamento” mecânico das mesmas. Para este tipo de tratamento mecânico em casos bastante severos, pode ser pensado em se empregar um tipo de laser pulsátil, já comercializado por dois fabricantes. Mas ainda não existem trabalhos suficientes para afirmar que eles são efetivamente superiores às condutas tradicionais já empregadas.

 

Figura 8: aparência normal das Glândulas de Meibomius sob iluminação infravermelha

 

Na maioria dos casos, em curto ou médio prazo, há um bom espaço para tratamento da condição e sua total regressão. Em outros casos, o tratamento vai exigir mais tempo e, em raríssimos casos, este tratamento poderá redundar em redução dos sintomas e mais conforto visual para os seus portadores, mas não a cura definitiva.

Neste momento (março de 2021) em que aguardamos a vacinação em massa da população brasileira, um bom conselho poderia ser:


Use seus olhos, mas com moderação!

A cada 30 minutos de exposição às telas de tablets, celulares, computadores, televisores interrompa suas atividades em home office e caminhe até a geladeira e tome bastante água. Certamente esta movimentação será muito útil para todos nós!

 

Agradecimentos: ao artista Márcio Diegues (ilustrações Figuras 2 e 3)

 


Dr. Miguel Padilha
Dr. Miguel Padilha
Membro Titular do Conselho Brasileiro de Oftalmologia