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Entrevista: Dr. Luca Gualdi, Considerações Sobre Olho Seco

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Dr. Miguel Padilha
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Durante o Congresso Internacional da Sociedade Brasileira de Oftalmologia realizado em outubro p.p., o Dr. Miguel Padilha, ex-presidente da SBO, teve a oportunidade de entrevistar o Dr. Luca Gualdi, um dos participantes do Simpósio Luso-Ítalo-Brasileiro de Catarata.


Dr Luca Gualdi

Dr. Luca Gualdi, Diretor da Unidade de Catarata e Cirurgia Refrativa do D.O.M.A. (Diagnostica Oftalmologica e Chirurgia Ambulatoriale)

O tema olho seco mereceu várias considerações pelo autor italiano. Membro da Societá Oftalmológica Italiana, decidimos dar um destaque especial a este assunto que tanto preocupa os cirurgiões de segmento anterior


Dr. Miguel Padilha: Na sua experiência com que frequência você vê casos de dry eye em sua Clínica?

Dr. Luca Gualdi O número de pacientes com olho seco está aumentando a cada ano. Com certeza as maiores causas, além do incremento de stress, são o maior uso de dispositivos eletrônicos com luz azul como computadores, tablets e smartphones. A alimentação e o não correto estilo de vida também podem influenciar muito a qualidade da superfície ocular e das glândulas de Meibômio.

Por isto a frequência de casos de dry eye sintomático que vejo no dia a dia do consultório é maior que 50%. Porém na outra metade de pacientes temos, pelo menos 20%, com olho seco com ceratite punctata e/ou disfunção das glândulas de Meibômio (MGD) assintomáticos. Então podemos considerar entre sintomáticos e assintomáticos algo em torno de 70%.


Dr. Miguel Padilha: Como você lida com pacientes portadores de olho seco numa forma discreta e candidatos a cálculo de LIO e facectomia?

Dr. Luca Gualdi Um dos maiores riscos de erro biométrico é a leitura errada na ceratometria. Na mesma medida pode acontecer que uma alteração do filme lacrimal pode sub ou sobrestimar o número de K1 e K2 e o eixo do astigmatismo (fig.1-2). Esse fator pode ser crucial sobretudo em casos de seleção de uma LIO Premium. Vários estudos demonstram a influência da hiperosmolaridade no erro biométrico 1,2,3.

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Figura 1

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Figura 2

Hoje em dia mais pacientes ficam sempre mais exigentes, por isso é fundamental reabilitar a superfície ocular antes de fazer uma biometria. Além de tudo, se antes da cirurgia já temos uma condição de olho seco, depois só pode piorar, deixando o paciente insatisfeito e o cirurgião frustrado. Isso vai acontecer até se o paciente conseguir enxergar bem mas tendo sintomas que vão incomodar muito a qualidade de vida dele como fotofobia, sensação permanente de corpo estranho e baixa de qualidade de visão intermitente, mesmo com 20/20 4.


Dr. Miguel Padilha: E no pós operatório? Por quê muitos pacientes parecem exacerbar as manifestações de olho seco após a facectomia?

Dr. Luca Gualdi Cada corte na córnea gera indiretamente olho seco, com a consequente denervação das fibras nervosas impactando sobre sensibilidade e hipoestesia, reduzindo o piscar 5. Este fator combinado com outros (como o tempo da cirurgia, a luz do microscópio, o blefarostato, os colirios com preservativos, midriáticos, anti-inflamatórios, antibióticos, anestésicos e esterilizantes utilizados no dia da cirurgia e no pós-operatório podem impactar negativamente nos sintomas do paciente. Um dos problemas maiores são os pacientes com dry-eye/MGD pré-operatórios assintomáticos. A maiorìa deles tem testes lacrimais alterados ou sub-atrofia na meibografia. O impacto da cirurgia nesses pacientes pode ser devastador, como eles nunca tiveram sintomas antes. Por isso hoje em dia é muito importante falar claro previamente, incluindo esta situação no consentimento informado.


Dr. Miguel Padilha: Como você administra a situação onde o paciente não responde bem a um tratamento padrão para olho seco mas quer uma lente Premium?

Dr. Luca Gualdi Como pode acontecer em medicina, raras vezes algum paciente não responde bem a um tratamento padrão. Se isto acontece não vai ser uma boa idéia um implante Premium, sobretudo de tipo difrativo pois as aberraçoes da LIO irão se juntar com aquelas topográficas da superficie ocular e o resultado biométrico também pode estar em risco. O olho seco è uma patologia cronica e qualquer tratamento pode não deixar sumir os sintomas completamente, mas só pode melhorar essa condição. Sempre é fundamental explicar bem esse aspecto para cada paciente. Se as medidas biométricas, topográficas e tomográficas pré-operatórias não vão dar valores certos, vale a pena tentar resolver de qualquer maneira a irregularidade que gera os valores errados. Atualmente temos vários tratamentos a disposição. A luz pulsada (IPL) conjunta com a expressão forçada das glándulas de Meibômio (MGX) é uma das melhores opções para melhorar as medidas pré-operatórias (Fig.3).

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Figura 3


Dr. Miguel Padilha: Em sua palestra no XXII Congresso Internacional da SBO você mostrou como manipula com o ordenhamento mecânico das glândulas de Meibômio: você poderia explicitar exatamente quando e como é feito?

Dr. Luca Gualdi As glândulas meibomianas são muito importantes para a saúde ocular, pois são responsáveis ​​por lubrificar a superfície ocular e evitar que as lágrimas evaporem prematuramente e cheguem ao seu destino final: as narinas. A expressão mecânica das glândulas de Meibômio (MGX) pode ser feita sob colírio anestésico de maneira automatizada (ex. Lipiflow, I-Lux) ou manual, com aposição de alicates delicados. Antes de fazer a manipulação é importante aquecer a temperatura das pálpebras para deixar a glândula mais liquefeita e fácil de ser comprimida. A IPL prévia é a melhor maneira de fazer a expressão e o material da glândula pode sair muito melhor logo depois 6,7.

Outro tratamento importante para facilitar a expressão é a microblefaroesfoliação (BlePhex). Esse aparelhinho limpa a borda palpebral livre usando uma pequena "rebarba" descartável conectada a um rotor. Quando virado e aplicado nas pálpebras, ele limpa o tampão formado nas glândulas meibomianas, deixando assim um caminho livre para que elas secretem gorduras para o filme lacrimal desobstruindo a emergência das glândulas e facilitando o material sair. Há evidências que a película de biofilme contém vários germes que liberam enzimas tóxicas chamadas “lipases” as quais gradualmente deterioram as glândulas de Meibômio aumentando o risco de infecção. Seria importante remover essa placa e desobstruir as glândulas, sobretudo antes de qualquer cirurgia ocular ou, de vez em quando, de forma similar como os dentistas fazem a higiene dental.


Dr. Miguel Padilha: Onde o laser pulsátil se situa neste território?

Dr. Luca Gualdi O láser pulsátil reduz a inflamação nas pálpebras restaurando o componente lipídico do filme lacrimal e reduzindo os sintomas de olho seco. Isto acontece através de uma luz policromática que trabalha no espectro visível da luz entre o ultravioleta e o infravermelho na faixa de 590 nanômetros. A intensidade em mJoule da luz e o número de spots pode ser personalizada dependendo do tipo de pele e da gravidade da inflamação, que pode ser diferente de pessoa para pessoa (Fig.4).

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Figura 4

Os efeitos do laser pulsátil são múltiplos:

  • aquecimento e liquefação do material da glândula;
  • fotobiomodulação para estimulação das mitocôndrias das glândulas de Meibômio;
  • trombose vascular e redução de teleangectasias bloqueando a aferência de mediadores da inflamação (IL-17, IL-6, PGE2, TNF);
  • efeito antibacteriano (bloqueando a enzima bacteriana lipase) e antiparasitário (o pigmento do exoesqueleto do demodex absorve a energia da IPL induzindo coagulação e necrose do parasita);
  • rejuvenescimento do tecido conectivo das pálpebras (a remodelação e síntese dos fibroblastos reduz a obstrução das glândulas);
  • neurológico (a estimulação profunda dos 2 ramos do sistema simpático permite as glândulas de Meibômio voltarem a atividade normal).

Os efeitos gerais no paciente são menor inflamação e menor estímulo para usar substitutos lacrimais ou colírios antibióticos e esteróides.

A maioria dos pacientes (85%) responde muito bem neste tipo de tratamento que vai ser feito por pelo menos 4 vezes (1 aplicação a cada 2-3 semanas) no período de 2-3 meses. Os pacientes que não respondem bem ao laser pulsátil são aqueles com condições gerais graves (ex. dor neuropática, síndrome de Sjögren, …) ou com problemas anatômicos (atrofia completa das glândulas de Meibômio, fechamento incompleto das pálpebras, paralisia facial, …).

As contraindicações para o uso local da IPL são: cirurgia ocular, palpebral ou neuroparalisia em tempo menor que 6 meses; lesões cutâneas pré-cancerosas; Herpes Simplex 1 e 2, LES e porfiria, fotossensibilidade (incluindo tratamentos com: Isotretinoina, Tetracyclina, Doxycyclina); na vigência de tratamento com radioterapia ou quimioterapia; epilepsia 8.

Referências:
  1. Epitropoulos AT, Matossian C, Berdy GJ, Malhotra RP, Potvin R. Effect of tear osmolarity on repeatability of keratometry for cataract surgery planning. J Cataract Refract Surg. 2015;41(8):1672-1677.
  2. Laura Alejandra Gonzalez Dibildox, Guadalupe Cervantes Coste , Mara Cantu Trevino, Argelia Avendano Dominguez, Claudia Corredor Ortega, Cecilop Velasco Barona, Jaime Villasenor Diez, surgery Roberto Gonzalez-Salinas. Impact of tear osmolarity in the biometric pre-assessment for phacoemulsification IOVS, July 2019, Vol. 9, 506
  3. Matossian C. Effect of thermal pulsation system treatment on keratometry measurements prior to cataract surgery. ASCRS San Diego, CA; May 6, 2019
  4. Herbaut A, Liang H, Rabut G, Trinh L, Kessal K, Baudouin C, Labbé A. Impact of Dry Eye Disease on Vision Quality: An Optical Quality Analysis System Study. Transl Vis Sci Technol. 2018 Jul 12;7(4):5.
  5. Ma J, Wei S, Jiang X, Chou Y, Wang Y, Hao R, Yang J, Li X. Evaluation of objective visual quality in dry eye disease and corneal nerve changes. Int Ophthalmol. 2020 Nov;40(11):2995-3004.
  6. Rong B, Tang Y, Tu P, Liu R, Qiao J, Song W, Toyos R, Yan X. Intense Pulsed Light Applied Directly on Eyelids Combined with Meibomian Gland Expression to Treat Meibomian Gland Dysfunction. Photomed Laser Surg. 2018 Jun;36(6):326-332
  7. Toyos R, Desai NR, Toyos M, Dell SJ. Intense pulsed light improves signs and symptoms of dry eye disease due to meibomian gland dysfunction: A randomized controlled study. PLoS One. 2022 Jun 23;17(6)
  8. dryeye.lumenis.eu


Dr. Miguel Padilha
Dr. Miguel Padilha
Membro Titular do Conselho Brasileiro de Oftalmologia