N os mais diversos meios de comunicação ou em rodas de bate-papo, certos procedimentos cirúrgicos costumam ser apregoados como de simples execução, recuperação imediata, resultados fantásticos. Perplexos, assistimos a uma abusiva exposição de pacientes operados ao vivo e, não raro, terapias médicas prometendo curas de doenças sem nenhuma evidência científica.
É inegável que a medicina vem experimentando avanços sem precedentes tanto na área de diagnóstico quanto terapêutico e que ocorrem numa velocidade que exige, em contrapartida, o correto preparo do homem para manipulá-los de forma segura e efetiva. Há de se dispender um precioso tempo para serem assimilados, maturados, treinados por cirurgiões e pessoal técnico. E, principalmente, preparados para lidarem com as intercorrências que podem surgir não somente durante a curva de aprendizagem, mas ao longo de toda a carreira daqueles profissionais.
Com tantas informações despejadas no mercado sem o devido filtro, não é raro que elas sejam veiculadas, equivocadamente, como procedimentos simples e isentos de riscos. Todos, médicos e pacientes, desejariam usufruir deste cenário ideal e, por conta disto, muitos pacientes exigem resultados rápidos e perfeitos, se esquecendo de que médico é um simples consertador daquilo que a natureza vai, paulatinamente, desmantelando. Ninguém, em sã consciência, pode imaginar que uma técnica invasiva não traga junto com ela um potencial de possibilidades de intercorrências, seja de pequena monta e facilmente contornável, até situações extremas que podem exigir reintervenções. É importante salientar que, em muitas ocasiões, fatores alheios à rotina do procedimento podem determinar um rumo diferente daquele inicialmente programado.
Medicina é a arte que lida com emoção e com a busca pelos meios para recuperar a saúde. Não está diretamente subordinada a resultados. Não é uma ciência exata, não é matemática. Talvez, por esta razão, tantos casos de burnout na classe médica, na qual, segundo o psicanalista americano Herbert Freudenberger, que cunhou o termo na década de 1970, esgotamentos físico e mental acontecem quando o imperativo de acertar sempre e ir além de seus limites impõe níveis de tensão desmedidos.
O médico é um simples consertador daquilo que a natureza vai, paulatinamente, desmantelando.
O que não se pode esquecer, dentro de um contexto realista da medicina moderna, é que ela continua buscando maior efetividade em seus procedimentos clínicos, ser menos agressiva através de cirurgias minimamente invasivas, reduzir os riscos pré, intra e pós-operatórios, envolvendo um enorme esforço por parte de cirurgiões em se adaptarem a novas ferramentas de trabalho, mais complexas, sofisticadas e exigindo mais investimentos na sua aquisição e contínuo treinamento. Todos estes avanços não podem ser traduzidos como procedimentos totalmente livres de complicações.
Ao banalizar o ato médico, na tentativa de transmitir uma inadequada impressão de sucesso garantido, a sociedade estará transferindo ao médico a responsabilidade que lhe cabe compartilhar com o paciente e sua família. É melhor mostrar, individualmente, os riscos e benefícios de cada procedimento calcado em evidências científicas, do que alardear falsas promessas e criar expectativas maiores que a medicina — mesmo com todos os avanços conquistados nas últimas décadas — tem a oferecer.